quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O peso da culpa



Parte III - Despedida.

“O que você ainda deseja?! Quer que eu acabe com isso ou não?!” Gritei, já impaciente. David baixou a cabeça, me fazendo perceber que estava pensativo sobre tudo. “Eu não consigo partir... Talvez a única forma de eu encontrar a paz seja me vingando. É tudo que penso.” Ele disse. “Então você acha que, acabando com a minha vida, irá conseguir a paz que precisa para partir?!” Perguntei, completamente perplexo.
“Você sabe muito bem que eu nunca teria ido àquela festa se você não tivesse insistido tanto! Eu ainda poderia estar vivo!” Os olhos de David começavam a umedecer. “Não esqueça que quem insistiu em dirigir alcoolizado foi você!” Repliquei. “Mas eu não sabia que ia morrer, Ric! Não sabia que ia dormir no volante! Eu não sei prever o futuro!” Estávamos finalmente tendo uma conversa.
“E você acha que eu sabia?! Eu só queria me divertir com o meu melhor amigo! Perder você não estava nos meus planos!” Desabafei completamente. “Ric! Eu não quero mais saber do que aconteceu! Será que você não vê?! Eu preciso partir para a paz e não consigo!” David foi diretamente ao ponto causador de toda a guerra. “E se você não estiver fazendo o que é certo?” Comecei a refletir, “David, não encontramos paz no ódio. Pelo contrário, talvez esse seja o motivo de você ainda estar aqui. Se quiser a paz, aceite as coisas como elas estão. Siga em frente e nos deixe continuar...” Essa era a solução.
David baixou a cabeça novamente e pensou. Tudo o que ele havia feito não o ajudara em nada. O ódio, a vingança, o rancor guardado... Aquilo tudo só o prendia. “Eu queria estar vivo...” Lamentava. “E eu gostaria muito que você estivesse. Mas não posso fazer nada...” A impotência tomava conta da minha mente. Nunca havia me sentido tão triste.
“Será que ainda vamos nos ver de novo depois que eu me for?” Ele perguntou. “Não sei... Talvez sim.” Meus olhos começaram a lacrimejar. “Me desculpe, Ric, por tudo. Nada mais pode ser feito. Eu não posso estar mais entre os vivos. Preciso ir pro lugar certo. E agora eu aceito... De todo o coração...” Disse David, mostrando ter retirado um peso enorme das costas. E ele não era o único, pois eu também já estava cansado de viver com medo.
Agradecido, estendeu a mão pra mim.
Tentei tocá-la, mas não consegui. Talvez a forte ligação que tínhamos me fizesse crer que eu quase podia senti-lo, mas não chegava a ser algo concreto. Seu rosto começou a ficar menos visível, e logo comecei a perceber que o mesmo também acontecia com o resto do seu corpo. “O que está acontecendo?!” Perguntei, completamente assustado. “Está na hora... Meu tempo aqui acabou, Ric... Preciso dizer adeus. Desejo que você seja feliz.” Disse David.
Não consegui dizer nada. Apenas fiquei parado, calado, vendo-o desaparecer. Até que ele se foi completamente, dando a impressão de que nunca houve alguém no carro comigo. Mas eu sabia que era verdade. Não poderia ter sido um pesadelo com final feliz porque estive acordado o tempo todo. E, se eu fosse na casa de David, não iria mais encontrá-lo lá.
Tudo foi real. E havia acabado. Eu tinha que voltar pra casa e seguir em frente. Porém já sabia que o peso da culpa nunca iria sair de mim por completo. Todos carregam um carma. E esse era o meu.    

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